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08/12/10

Conflitos são necessários e levam ao amadurecimento das relações - Alberto Lima

No encontro de diferenças que é a convivência amorosa, não há como fugir dos choques de interesses, preferências, opiniões, mas eles não são ruins. Ao contrário. Parceiros que os enfrentam com boa vontade e afeto com certeza conquistam a estabilidade da relação. A harmonia, porém, nunca será definitiva. A disponibilidade de buscá-la deve ser permanente.

Um relacionamento se torna consistente quando se apóia em um pilar principal: a habilidade para lidar com conflitos. Para desenvolver tal habilidade, o casal precisa lançar mão de certas ferramentas, como a boa vontade para abordar os problemas que aparecem; o manejo amoroso das situações conflituosas; a disponibilidade para rever posicionamentos, valores, crenças e preferências; a humildade; a capacidade de alcançar a perspectiva do outro; o equilíbrio entre sensibilidade e sensatez.
Relacionamento é praticamente sinônimo de "encontro dialógico de diferenças". E onde há diferenças há conflito. Mas conflitos não são brigas. Deles não resultam rupturas, exceto nas raras situações em que as diferenças se revelam inconciliáveis. E mesmo nesses casos, quando a ruptura se mostra um desenlace sadio, é possível conduzir a mudança com respeito e aceitação. O resultado almejado para um conflito é a harmonização, ainda que esta tome formato que contrarie o ideal de uma ou de ambas as partes em conflito. O que um conflito pode trazer de bom é a clareza. Ela faz bem, mesmo que seja desagradável. Da clareza costumam derivar a ampliação da consciência, o amadurecimento.
Precisamos dissolver preconceitos que temos a respeito de conflitos, do contrário não conseguiremos assumir a postura justa para o manejo dos contrastes que estão em jogo. O exame das diferenças que caracterizam um conflito requer o olhar a um só tempo ingênuo, como o da criança que se depara com algo pela primeira vez, e crítico, como o do sábio que lava os olhos com o melhor colírio para enxergar exatamente o que quer ver. "Gatos escaldados" não são muito habilitados para conflitar em paz, pois o ruído de experiências anteriores turva a visão e a imagem do antigo trauma pode se sobrepor às circunstâncias atuais, roubando do examinador a objetividade necessária para que seja justo.
Da mitologia grega, recordo-me de dois padrões complementares de harmonia. Um está associado à deusa Íris, uma das mensageiras de Zeus. Foi ela quem sensibilizou Hera para afrouxar seus rigores, o que favoreceu o parto de Apolo após nove dias de sofrimento por parte de Leto, a mãe, amante de Zeus. Íris conquistou a compaixão da esposa do Senhor do Olimpo sem tocar no assunto que estava em pauta. Limitou-se a formar uma aliança com o coração de Hera, dissolvendo-lhe a rigidez.
O outro padrão é representado por Harmonia, filha de Ares e Afrodite, ou seja, resultado da união entre o deus da guerra e a deusa do amor. Harmonia surge do encontro (dialógico) entre a capacidade de confrontar, ainda que bélica, e a capacidade de amar.
Parece-me de bom expediente munirmo-nos com esses dois recursos, caso queiramos nos capacitar para construir relações duradouras e harmoniosas. De Íris podemos angariar a compaixão, a cordialidade, a capacidade de falar ao coração, a disponibilidade otimista em relação às dificuldades. Com Ares e Afrodite podemos aprender como se dá a cópula entre conflito e amor, ambos inteiros, para desse encontro extrair a desejada harmonia.
Saibamos que a harmonia não é um ponto definitivo ao qual se chega para se instalar e nele deitar em paz para sempre. É a síntese possível para cada conflito que se enfrenta e remete, assim, à noção de "processo". A morte talvez seja a harmonização definitiva. Mas enquanto estivermos dispostos a viver precisaremos ter a coragem, a ousadia e a delicadeza de conflitar amorosamente.
Alberto Lima, psicoterapeuta de orientação junguiana, é professor-doutor em Psicologia Clínica e autor de O Pai e a Psique (Editora Paulus).

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