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15/12/10

Parceiros que mantêm sua criança interna podem ser bem mais felizes - Alberto Lima

Os companheiros muitas vezes sacrificam a dimensão criança de sua personalidade em favor de comportamentos e escolhas exclusivamente adultas. Com isso, tornam o casamento uma chatice. Mas, se preservassem a criança interna de cada um e de ambos, com certeza teriam mais alegria de viver e tornariam o relacionamento muito mais divertido e duradouro.

Após o "... e foram felizes para sempre", os casais correm o risco de achar que a cerimônia e a festa do casamento foram os únicos momentos felizes de sua vida, a menos que tomem providências para desconstruir a idéia de felicidade em nome da qual se uniram para colocar no lugar dela padrões reais e possíveis de felicidade. Uma das mais importantes medidas que os parceiros podem tomar é preservar espaço para a criança interna de cada um e de ambos.
Desatentos ao fato de que, quando se tornam adultos, as crianças que um dia foram não deixam de existir ou inadvertidamente adeptos da ingênua crença de que quando alguém se casa deve se tornar "sério", os parceiros muitas vezes sacrificam a dimensão criança de sua personalidade em favor de comportamentos e escolhas exclusivamente adultas. É o que basta para tornar o casamento uma chatice, com um amontoado de afazeres e obrigações.
Lembram-se daquelas bonequinhas russas, as "babushkas"? São de madeira com uma abertura na cintura. Dentro de uma boneca há outra menorzinha. E outra ainda menor dentro da segunda, numa sequência que poderia não terminar. Lembram-se? Pois é, a "babushkona" traz dentro dela a "babushkinha", que não deixa de existir só pelo fato de ter sido suplantada pela maior. Na vida adulta, as tarefas, a consciência e as responsabilidades maduras não podem ser negligenciadas, mas também as crianças internas não devem ser esquecidas, sob pena de o casamento não se sustentar, ou de as pessoas odiarem esse negócio de "virar gente grande".
O que aqui se recomenda não é a regressão ao estágio infantil do desenvolvimento. Isso equivaleria a aniquilar as aquisições feitas ao longo da vida. Preservar a criança não antagoniza com a condição adulta. Ao contrário, dá a ela bom tempero e alimenta a alegria de viver, a leveza, o prazer, o espírito lúdico e criativo. Não apenas como dimensões individuais de cada pessoa, mas também como atributos do próprio vínculo amoroso. E como é bom brincar juntos! Há brincadeiras apropriadas aos adultos, para o deleite de suas crianças internas. A sexualidade é um dos palcos em que essa ludicidade pode ser exercida, mas não o único. Cozinhar juntos pode ser uma folia! Passear num parque há de ser uma festa para quem inventa de descobrir o que há lá, divertir-se com isso, dar vazão à atividade fantasiosa, inventar uma brincadeira, sussurrar bobagens de amor ao pé do ouvido, desenhando no espaço público do parque um secreto e sigiloso conluio privativo. Isso dá bom gosto ao passeio e costuma suscitar "apetites" para o retorno à casa. Nada mal!
Se os adultos não souberem e não puderem ouvir e, se possível, gratificar os desejos de sua criança interna, poderão perigosamente "terceirizar" essa função, ou seja, ter filhos e delegar a eles o preenchimento de suas próprias necessidades. Não se pode fazer isso com uma criança. Ela vai sentir que vive uma vida que não é sua. Ou correm o risco de promover nos filhos um "adultecimento precoce", aniquilando também nas crianças a chance de usufruírem sua condição infantil.
A criança interna é a portadora do mais íntimo e legítimo de nossos desejos, além de dar voz ao movimento espontâneo de nossas mais preciosas verdades. Saibamos ouvi-las. Após o "... e foram felizes para sempre", podemos ser ainda mais felizes.
* Alberto Lima, psicoterapeuta de orientação junguiana, é professor-doutor em Psicologia Clínica e autor de O Pai e a Psique (Editora Paulus) e de Alma: Gênero e Grau (Editora Devir).

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