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12/03/12

COMO LIDAR COM A DESCONFIANÇA - Antônio Roberto

Desconfianças
Publicado Coluna Bem Viver do Jornal Estado de Minas
“Antônio Roberto, vivo desconfiado sempre achando que as pessoas vão me passar para traz. Sofro muito com isso. Você poderia me ajudar? Fabiano de Sabará”

A estruturação da desconfiança em nossas vidas começa cedo, na infância. Se tivemos uma experiência de afeto e acolhimento por parte dos adultos, principalmente, os pais, internalizamos uma visão do mundo como um lugar bom e passamos a ver os outros como pessoas que nos querem bem. Ao contrário, se nossas primeiras experiências são sofridas, na relação com as pessoas solidificamos a crença de que as pessoas, em princípio, são ruins e que nos farão mal.
A desconfiança, portanto é uma postura infantil, escondendo uma fragilidade e inferioridade de uma criança impotente e dependente de um mundo gigante e ameaçador. Desconfiança é medo. É ansiedade. É preocupação com o que pode nos acontecer. É até natural em uma criança desamparada essa forma de enxergar o mundo. À medida, porém, que fôssemos crescendo essa visão pessimista teria de ser substituída gradualmente por uma percepção mais realista: Nem todas as pessoas são como aquelas de nossas primeiras experiências de relacionamento e já dispomos de mecanismos com os quais podemos nos defender, uma vez adultos e com autonomia.
De uma forma generalizada do bem ou do mal, migramos, pouco a pouco, para a realidade dualista do mundo, onde existem pessoas, incluindo nós, boas e más ou então, ora boas ora más. A conseqüência principal desse modo de encarar as coisas é a necessidade de aprendermos a lidar com essa realidade, ao invés de, passivamente, temermos o que pode nos acontecer.
O próprio conceito de confiança que nos foi passado nos distancia desse sentimento. Acreditamos, em geral, que confiar em alguém é ter “certeza” do seu comportamento futuro com relação a nós. Quem confundir confiança com “certeza”, jamais poderá confiar, pois o amanhã do outro é um grande desconhecido até para ele mesmo. Se a marca fundamental do homem é sua liberdade, jamais saberemos antecipadamente o comportamento de alguém. O desconfiado sofre pelo seu desejo de certeza. Não é a dúvida que nos enlouquece, mas a vontade de saber com antecipação o que ninguém pode saber.
Desconfiança é abrir mão de viver a realidade disponível no atual momento e tentar controlar o futuro. É um medo antecipado. A verdadeira confiança é desistir de toda e qualquer certeza e abrir o coração à verdade futura, seja qual for ela. A desconfiança é uma doença psicológica, que nos faz sofrer. O estado de confiança não é um favor que fazemos a alguém, a não ser a nós próprios, pois é um estado de paz, sossego, folga daquele que deixou o futuro para quando chegar.
Uma das formas para trabalharmos nossas desconfianças é aumentarmos nossa capacidade de estarmos presentes. A realidade é aquilo que percebemos no momento atual. Saboreá-la e lidar com ela é o caminho de não cairmos na tentação de vivenciarmos as possibilidades futuras.
Um dos filmes que mais gostei até hoje foi A Sociedade dos Poetas Mortos que recomendo a todos, cujo personagem principal é o professor Keating interpretado por Robin Williams. Uma das primeiras cenas do filme mostra esse personagem indo com todos os alunos até o Saguão de uma Escola onde estão os quadros de formatura de turmas anteriores.
-Vocês estão vendo estas fotos meninos? Pergunta Keating.
-Os jovens que estão nesses quadros, continua ele, planejam revolucionar o mundo e transformar suas vidas em algo magnífico. Isso foi há 70 anos. Agora estão todos mortos. Quantos tiveram uma vida realmente feliz? Quantos realizaram seus sonhos? Aí o professor inclina para o grupo e murmura para que todos o ouçam:

“-Carpe diem”. Aproveitem o seu dia. Vivam o presente.
Confiança é saber que somos limitados, que não podemos adivinhar o que está por vir que jamais controlaremos todas as “possibilidades” e que nossa única saída é viver intensamente a realidade, seja boa ou ruim.

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