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26/10/12

PREGUIÇA DE SOFRER - Zuenir Ventura

RECEBI DA MINHA CUNHADA ZEZÉ: "Muito lindas. Quero ser íntima delas! Chegar na casa de Itaipava sem avisar, levar pão quentinho debaixo do braço e comer com manteiga de Itaipava. Ai, como a vida é simples e boa quando a gente tem preguiça de sofrer! Vamos ficar velhinhas assim, irmãs e cunhada? Saudades! Bj, zz"
GOSTEI E POSTEI! 
VAMOS SIM, ZEZÉ, TÔ DENTRO... A CASA DE ITAIPAVA PODE SER SUBSTITUÍDA PELA NOSSA CASA DO CANTO DAS ÁGUAS, NÉ? CONTEM COMIGO! E NO QUE DEPENDER DE MIM, ESTAREI SIM VISITANDO EXPOSIÇÕES, ASSISTINDO SHOWS, LENDO, CONVERSANDO, VENDO TV E SOBRETUDO RINDO E GARGALHANDO JUNTAS! NADA MELHOR DO QUE SE ALEGRAR E TER PRAZER COM PESSOAS QUERIDAS E ESPECIAIS EM NOSSA VIDA! COMO É BOM ENVELHECER E "PERDER A NOÇÃO DO TEMPO" COM QM AMAMOS! E QTO AO CUIDADO COM AS PLANTAS, O BARALHO, O TRICÔ, O CROCHÊ E DISCUTIR POLÍTICA, PREFIRO NÃO PARTICIPAR DESSAS ATIVIDADES, DEIXO ESSA TAREFA PRA QM CURTE, SIMPLESMENTE PQ TENHO PREGUIÇA DE SOFRER!!! MAS ENQUANTO ISSO, POSSO CURTIR UMA MÚSICA, DANÇAR, FAZER UMA CAMINHADA, OU SABOREAR O PÃO QUENTINHO QUE VC TROUXE... E VIVA AS DIFERENÇAS!!! BJÃO MEU, CUNHADA.

Há 26 anos, elas cumprem uma alegre rotina: às sextas-feiras pela manhã sobem a serra e descem aos domingos à tarde, quando não permanecem a semana toda lá, em sua casa de Itaipava, distante hora e meia do Rio. São quatro irmãs de sobrenome Sette - Mily, a mais velha, de 86 anos; Guilhermina (84), Maria Elisa (76) e Maria Helena (73) - mais a cunhada Ítala (87), a prima Icléa (90) e a amiga de mais de meio século, Jacy (78). O astral e a energia da "Casa das sete velhinhas" são únicos.
Elas cuidam das plantas, visitam exposições, assistem a shows, lêem, jogam baralho, conversam, discutem política, vêem televisão, fazem tricô, crochê e sobretudo riem. Só não falam e não deixam falar de doença e infelicidade. Baixaria, nem pensar. Quando preciso tomar uma injeção de ânimo e rejuvenescimento, subo até lá, como fiz no último sábado. Já viajamos juntos algumas vezes, como a Tiradentes, por cujas redondezas andamos de jipe, o que naquelas estradas de terra é quase como andar a cavalo. Tudo numa boa. Elas têm uma sede adolescente de novidade e conhecimento.
Modéstia à parte, são conhecidas como "As meninas do Zuenir". Me dão a maior força. Quando sabem que estou fazendo alguma palestra no Rio, tenho a garantia de que a sala não vai ficar vazia. São meu público cativo e ocupam em geral a primeira fila. Numa dessas ocasiões, com a casa cheia, elas chegaram atrasadas e fizeram rir ao se anunciarem a sério na entrada: "Nós somos as meninas do Zuenir".
Nos conhecemos nos anos 70, quando morávamos no mesmo prédio no Rio e Maria Elisa, que é química, passou a dar aulas particulares de matemática para meus filhos, ainda pequenos, de graça, pelo prazer de ensinar.
Depois nos mudamos, continuamos amigos e nossa referência passou a ser a casa de Itaipava, onde minha mulher e eu temos um cantinho, um pequeno apartamento na parte externa da casa, os "Alpes suíços". No começo o terreno não passava de um barranco de terra vermelha. Hoje é um jardim suspenso, com árvores e flores variadas que constituem uma atração para os pássaros. Dessa vez, não cheguei a tempo de ver a cerejeira florida, mas em compensação assisti a uma exibição especial de um casal de papagaios.
O interior da casa é um brinco, não fossem elas meio artistas, meio artesãs, todas muito prendadas, como se dizia antigamente.
Helena e Jacy, por exemplo, tecem mantas e colchas de tricô e crochê que já mereceram exposições. Mily desafia a idade preferindo as novas tecnologias e a modernidade, sem falar no vôlei, de que é torcedora apaixonada. Sabe tudo de computador e, com Jacy, freqüenta todos os cursos que pode: de francês a ética, de inglês a filosofia.
Na parede, Tom Jobim observa tudo. A foto é autografada para Elisa, de quem ele foi colega no Andrews. Aliás, nesse colégio da Zona Sul do Rio, Guilhermina trabalhou 53 anos, como secretária e professora de Latim, que ela ensinava pelo método direto, ou seja, falando com os alunos. Ficou muito feliz quando na praia ouviu, vindo de dentro do mar, o grito de alguém no meio das ondas, provavelmente um surfista: "Ave, magister!".
Amiga de personagens como o maestro Villa-Lobos, ela ajudou ou acompanhou a carreira de dezenas de jovens que passaram por aquele tradicional colégio, cujo diretor uma vez lhe fez um rasgado elogio público, ressaltando o quanto ela era indispensável ao educandário. No dia seguinte, ela pediu as contas, com essa sábia alegação: "Eu quero sair enquanto estou no auge, não quando não souberem mais o que fazer comigo".
Foi para casa e teve um choque, achando que não ia suportar a aposentadoria. Durou pouco, porque logo arranjou o que fazer. É tradutora e gosta muito de etimologia: adora estudar a vida das palavras desde suas origens, principalmente quando são gregas.
Ah, nas horas vagas faz bijuterias.
Para explicar como se desvencilhou do vazio de deixar um emprego de 53 anos e começar nova vida já velha, Guilhermina usou uma frase que se aplica a todas as outras seis velhinhas e que eu gostaria de adotar também: "Tenho preguiça de sofrer".
Não são o máximo as meninas do Zuenir?
"Ter problemas na vida é inevitável, ser derrotado por eles é opcional" (Roberto Shinyashiki)

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