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18/02/13

A CASA DE CADA UM - Walcyr Carrasco

Nesta época, gosto de tratar da vida.
Dou a roupa que não uso mais.
Livros que não pretendo reler. Envio caixas para bibliotecas.
Ou abandono um volume em um shopping ou café, com uma mensagem: "Leia e passe para frente!".

Tento avaliar meus atos através de uma perspectiva maior.
Penso na história dos Três Porquinhos. Cada um construiu sua casa. Duas, o Lobo derrubou facilmente.
Mas a terceira resistiu porque era sólida. Em minha opinião, contos infantis possuem grande sabedoria, além da história propriamente dita.
Gosto desse especialmente.
Imagino que a vida de cada um seja semelhante a uma casa. Frágil ou sólida, depende de como é construída.
Muita gente se aproxima de mim e diz: Eu tenho um sonho, quero torná-lo realidade! Estremeço.
Frequentemente, o sonho é bonito, tanto como uma casa bem pintada. Mas sem alicerces.
As paredes racham, a casa cai repentinamente, e a pessoa fica só com entulho. Lamenta-se.
Na minha área profissional, isso é muito comum.

Diariamente sou procurado por alguém que sonha em ser ator ou atriz sem nunca ter estudado ou feito teatro.
Como é possível jogar todas as fichas em uma profissão que nem se conhece?
Há quem largue tudo por uma paixão. Um amigo abandonou mulher e filho recém-nascido.
A nova paixão durou até a noite na qual, no apartamento do 10º andar, a moça afirmou que podia voar.
Deixa de brincadeira , ele respondeu.
Eu sei voar, sim! rebateu ela.
Abriu os braços, pronta para saltar da janela. Ele a segurou. Gritou por socorro. Quase despencaram.
Foi viver sozinho com um gato, lembrando-se dos bons tempos da vida doméstica, do filho, da harmonia perdida!

Algumas pessoas se preocupam só com os alicerces. Dedicam-se à vida material.
Quando venta, não têm paredes para se proteger.
Outras não colocam portas. Qualquer um entra na vida delas.
Tenho um amigo que não sabe dizer não (a palavra não é tão mágica quanto uma porta blindada).
Empresta seu dinheiro e nunca recebe. Namora mulheres problemáticas.
Vive cercado de pessoas que sugam suas energias como autênticos vampiros emocionais.
Outro dia lhe perguntei: Por que deixa tanta gente ruim se aproximar de você?
Garante que no próximo ano será diferente. Nada mudará enquanto não consertar a casa de sua vida.

São comuns as pessoas que não pensam no telhado. Vivem como se os dias de tempestade jamais chegassem.
Quando chove, a casa delas se alaga.
Ao contrário das que só cuidam dos alicerces, não se preocupam com o dia de amanhã.

Certa vez uma amiga conseguiu vender um terreno valioso recebido em herança.
Comentei:
Agora você pode comprar um apartamento para morar.
Preferiu alugar uma mansão. Mobiliou. Durante meses morou como uma rainha.
Quase um ano depois, já não tinha dinheiro para botar um bife na mesa!

Aproveito as festas de fim de ano para examinar a casa que construí.
Alguma parede rachou porque tomei uma atitude contra meus princípios?
Deixei alguma telha quebrada?
Há um assunto pendente me incomodando como uma goteira?
Minha porta tem uma chave para ser bem fechada quando preciso, mas também para ser aberta quando vierem as pessoas que amo?

É um bom momento para decidir o que consertar. Para mudar alguma coisa e tornar a casa mais agradável.
Sou envolvido por um sentimento muito especial.
Ao longo dos anos, cada pessoa constrói sua casa.
O bom é que sempre se pode reformar, arrumar, decorar!
E na eterna oportunidade de recomeçar reside a grande beleza de ser o arquiteto da própria vida.

A alegria - RUBEM ALVES



Pouco antes de morrer, Roland Barthers pronunciou a sua conferência inaugural como professor do College de France. Sabia que estava ficando velho, mas saudava a velhice como tempo de recomeço, o início de uma vita nuova. E ao terminar sua fala fez uma confissão pessoal espantosa. Disse que havia chegado o momento de entregar-se ao esquecimento de tudo o que aprendera. Tempo de desaprender. As cobras, para continuar a viver, têm de abandonar a casca velha. Também ele tinha de abandonar os saberes com que a tradição o envolvera. Somente assim a vida poderia brotar de novo, fresca, do seu corpo, como a água brota das profundezas onde estivera enterrada. E disse então que este era o sentido de ficar sábio: “Nada de poder;/ um pouquinho de saber;/ e o máximo possível de sabor...”

 

Sendo aquela a ocasião em que estava sendo inaugurado como professor, ele dizia que era isto que pretendia ser, daquele momento para frente: um mestre do prazer, aquele que se dedica a ensinar aos seus jovens alunos o gosto bom das coisas! Quem toma uma decisão como esta está afirmando que o prazer é a única coisa que vale a pena. Vivemos para o prazer. O que é espantoso é que tal revelação lhe tenha sido feita quando ele já deixara para trás os anos da juventude. Talvez que a sabedoria seja coisa crepuscular. Lembro-me das palavras de Hegel, que disse isto de forma poética: “a coruja de Minerva só abre as suas asas quando chega a penumbra que antecede o anoitecer...”

 

Jorge Luís Borges também só viu direito depois que a velhice o cegou. “Se eu pudesse de novo viver a minha vida...”: é assim que ele inicia o seu lindo texto-testamento, confessando que naquele momento deixava para trás tudo aquilo que um dia soubera como sabedoria. Agora, na velhice, chegava o momento de uma nova sabedoria. E ele descreve a vida que viveria, com os olhos de um menino. Sua sabedoria crepuscular era a sabedoria da criança que a educação desterrara e que, naquele momento, retornava. A sabedoria do crepúsculo é um reencontro com a infância. “Se eu pudesse viver de novo a minha vida, na próxima trataria de cometer mais erros. Relaxaria mais. Seria mais tolo ainda do que tenho sido. Na verdade, bem poucas coisas levaria a sério. Contemplaria mais entardeceres, subiria mais montanhas, nadaria mais rios, começaria a andar descalço no começo da Primavera e continuaria assim até o fim do Outono. Porque, se não o sabem, disto é feita a vida, só de momentos. Não percam o agora.”

 

Palavras que não se espera da boca de um velho. Nenhuma advertência solene. Nenhum conselho grave. Nenhuma palavra sombria. Somente o convite à Ieveza. A vida lhe aparece com uma imensa simplicidade: encontros sucessivos e inesperados com a alegria, que está sempre ao alcance da mão. Efêmera, em suas cores crepusculares, mas deliciosa como uma taça de vinho ou um beijo... Daí o seu conselho: “Não percam o agora. Ele nunca mais se repetirá.”

Fernando Pessoa diz a mesma coisa num dos seus poemas.

 

“Dia em que não gozaste não foi teu:/ Foi só durares nele.

 

Quanto vivas/ Sem que o gozes, não vives./ Não pesa que amas, bebas ou sorrias: Basta o reflexo do sol ida na água/ De um charco, se te é grato./ Feliz o a quem, por ter em coisas mínimas/ Seu prazer posto, nenhum dia nega/ A natural ventura.”

 

É preciso muito pouco. Ela está muito próxima. Mora no momento. Perdemos a alegria porque pensamos que ela virá no futuro, depois de algum evento portentoso que mudará a nossa vida. Mas vida: o que é isto? Como diz o Riobaldo, “vida é noção que a gente completa seguida assim, mas só por lei de uma idéia falsa. Cada dia é um dia.” E a gente fica esperando que ela haverá de chegar depois da formatura, do casamento, do nascimento, da viagem, da promoção, da loteria, da eleição, da casa nova, da separação, da morte do marido, da morte da mulher, da aposentadoria... E ela não chega porque a alegria não mora no futuro mas só no agora.

Ela está lá ,modesta e fiel, no espaço da casa, no espaço da rua. Se não a encontrarmos, não é culpa dela. É culpa nossa. Nossos pensamentos andam muito longe dos lugares onde ela mora e, por isso, nossos olhos não podem ver. Como dizia o Mário Quintana, “quantas vezes a gente, em busca da ventura, procede tal e qual o avozinho infeliz: em vão, em toda parte, os óculos procura, tendo-os na ponta do nariz!”.

 

Velhice é quando se percebe que não existe no futuro nenhum evento portentoso por que esperar, como início da felicidade. Mas isto não será verdadeiro da vida inteira? Por isso, talvez, os jovens devessem aprender com os velhos que é preciso viver cada dia como se fosse o último. A alegria mora muito perto. Basta esticar a mão para colhê-la, sem nenhum esforço. Mas, para isto, seria necessário que os nossos olhos fossem iluminados pela luz do crepúsculo.

 (Correio Popular, 12/11/1991)

O homem que amava celulite e estrias - Eduardo Aquino

MEU AMIGO E COMPADRE "JACI COTA" LEU, GOSTOU E ME INDICOU A LEITURA, TB ADOOOOOREI E POSTEI!!! VALEU COMPADRE!
Conta a lenda que seu nome era Miguel, nome de anjo, batalhador contra as forças do mal. Mas o certo é que quem o conhecia logo dizia: "Êta Miguel gente boa!" Sempre foi assim. Mesmo quando tímido e "CDF", recusava a passar "cola" alegando que ficava tão vermelho que a professora ia desconfiar. Nada de droga, de bebida, só aos 25 quando na formatura de Comunicação, quando a terceira das quatro únicas namoradas firmes que teve o obrigou beber champagne e nessa noite conheceu o motel e perdeu a virgindade, tudo de uma vez só!

Timidez que cedeu lugar a uma pessoa animada, culta, com tiradas engraçadas. Todos adoravam ouvi-lo, era muito sociável, afetivo, logo se tornou referencia na área de recursos humanos, com palestras, livros, vida acadêmica, doutorado no exterior.

O paraninfo mais solicitado dos alunos que - imaginem - lotavam suas aulas as sextas à noite e sábados pela manhã! E ninguém podia imaginar, o professor Miguel era antissocial, caseiro, ermitão. Suspiro das funcionárias, paixão platônica das alunas e ele sempre com namoradas firmes, fiel e morando sozinho no "apê" com vista pro mar "mas de longe", e brincava "E em Niterói pra ver o Rio de camarote".

E, naquela esquina da vida, surpresas do destino. Santos Dumont lotado, voo atrasado, lendo o romance "O morro dos ventos uivantes", ouve a voz emoldurada por um sorriso inenarrável, que soou como um chamado divino, "Vi o filme!". Tem coisas que param o tempo e o espaço. Eternizam e fazem do acaso um dejà vu. Ela arrombou o coração dele, invadiu sua mente e de forma suave e definitiva se instalou em sua alma.

Débora, aquela bailarina do Municipal agitada e meiga, se é que alguém pode ser o oposto do avesso, ou o contrário da mesma coisa, fez um balé de pensamentos, emoções, desejos. Após sete anos já casados, idas e vindas de um casal de viajantes, cursos e palestras dele e ela com apresentações, ensaios, viviam a distância próxima de uma lua de mel inesgotável. Diferentes em tudo, mas com afinidades incríveis, complementaridade, confiança e respeito. Então os filhos, veio o primeiro com implacável depressão pós-parto e a constatação, ela não tinha o dom da maternidade e sim o amor do cuidado a cria. Nervosa com casa, filho, 30 kg ganhos, estrias, baixa autoestima. E Miguel a amava, com "pneuzão", peitão, muita estria e um bebê lindo.

Menos de oito meses, outra gravidez! Ela quis morrer, ameaça de aborto, eclâmpsia, sete meses na cama e uma linda garotinha. Adeus bailarina, corpo escultural, apresentações. Quatro anos deprimida e Miguel pai e mãe, reduziu atividades, vendeu bens e.

Amava aqueles raros sorrisos e a voz da sua deusa e musa. O tempo passa e agora comemoram 25 anos de casamento, ela professora de dança de salão, filhos adolescentes, adolescendo. E o professor Miguel "gatão de meia idade", desviando-se das "piriguetes", ora alunas, ora empresárias ou "amigas" da esposa Débora. Só existe olhar para ela, sua musa. Nas palestras professor Miguel dizia: "Paixão é vício, causa dependência, dor abstinência, enlouquece, é quente, ferve, vicia, adoece, mata e termina em aversão ou indiferença. Mas amor gente (e sentia emoção ao falar da sua sempre Débora), amor é outra história! É algo que gera admiração, acolhe, consola, acalma, renova e é eterno! Ah!! Não se esqueçam, brincava, amor verdadeiro é a prova de celulite, estria, bunda caída, homem barrigudo ou careca! É conteúdo, transcendência, história pra contar pros bisnetos! " Falou professor Miguel! Felizes sejam o senhor, a D. Débora e os meninos!

(Dedicado aos que amam e acreditam no verdadeiro amor. Aos que não encontraram, que não desistam! E uma dica aos românticos - o filme "Um dia").

MITOS DA MULHER INDEPENDENTE: VAMOS ABRIR A CABEÇA?Fernanda Mello

Outro dia li uma crônica do escritor Carpinejar – que muito admiro – mas devo dizer que, dessa vez, discordei do sensível gaúcho. O texto começa assim: “Tenho amigas lindas, inteligentes, divertidas e independentes sem namorado. E sabe por que elas estão sem namorado? Porque são lindas, inteligentes, divertidas e independentes. O homem ainda tem medo da mulher com autonomia. Da mulher que não dependa dele financeiramente.” Ok, ok, ok. Vamos com calma aí! Esse é um assunto polêmico e eu, como escritora, mulher, independente & feminina quero mostrar o meu ponto de vista sobre o assunto. 
Primeiramente, não gosto (e não quero) colocar os homens no mesmo balaio. Existem homens. E homens. Ou melhor: homens e meninos. Ou até destrinchando mais e sendo menos rotuladora: cada um teve um tipo de criação e um modelo masculino a seguir. Então, o caso aqui não é discutir quem é melhor ou pior. Mas – sim! – mostrar que, ao contrário do que Carpinejar afirma, existem no mundo caras com a cabeça aberta o suficiente para aguentar o tranco de ter uma mulher com autonomia ao seu lado. 
Aí, você - que mata um leão por dia – me pergunta: AONDE? Bom, devo ser solidária e dizer: FÁCIL, minha amiga, não é. Ainda vivemos numa sociedade camufladamente machista e ter ideias próprias ainda assusta muito grandalhão. Eu já namorei com caras que se diziam super “modernos” e que, no fundo - ou, por trás dos piercing, tatuagens e all stars -, tinham ideais de amor pra lá de ultrapassadas. 
É... De perto, quase ninguém é o que – de fato – parece. Mas o assunto aqui não é esse. Pela experiência que tive e, também, pelo que percebo na maioria dos namoros/casamentos de hoje em dia, a mulher independente (por uma infinidade de fatores) tem uma probabilidade maior de ter uma relação mais satisfatória, em todos os aspectos. QUER SABER POR QUÊ? Ora, bolas, porque elas não precisam. Nós não PRECISAMOS. Apenas queremos alguém com quem possamos COMPARTILHAR, dormir abraçado, trocar beijos, ideias, sonhos e conhecimentos.  Eu não tenho nada contra “Amélias” (cada um sabe de si), mas definitivamente não nasci com o dom de depender de ninguém. E muito menos de ficar de boca fechada. Por isso, escrevi esse texto. Para acabar de vez com esse mito demodê de que “mulher moderna acaba sozinha”.  MULHER INDEPENDENTE ACABA É FELIZ. (E muito bem acompanhada, por sinal!).

Um brinde ao amor e a tudo o que ele nos traz de aprendizado! Somos independentes, sim! Mas queremos ser AMADAS. E DESEJADAS. Até que a morte nos separe.